Texto incrível do Sr. Christian Fausto.
Quando assisti a série Spectreman era um garoto de apartamento no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, hoje palco da Rio+20. Alguns críticos dizem que, mesmo naquela época, os “defeitos especiais” da série eram consideravelmente toscos. Mas eu não me importava, adorava sair correndo da escola e chegar em casa para ver Spectreman defender a terra. Hoje, percebo que o mais fascinante no Spectreman não eram as maquetes de isopor ou as explosões fuleiras e sim o roteiro.
Dr. Gori, o “vilão” era um brilhante cientista, mas fugira de seu planeta natal por conta de suas perspectivas belicistas. Ao chegar a terra, acompanhando por seu gorila-de-chácara o General Karas, o Dr. Gori fica fascinado com a beleza de nosso planeta. Entretanto, ele percebe que nós, humanos, o estamos destruindo totalmente por meio da superexploração de recursos naturais e poluição.
Vendo que a humanidade, mais cedo ou mais tarde, irá destruir toda a terra, o Dr. Gori decide então conquista-la. Neste momento surge Spectreman, um sofisticado androide criado por uma raça alienígena chamada Dominantes. Spectreman trabalha disfarçado em um centro de controle da poluição em Tóquio, ao mesmo tempo em que, sistematicamente, frustra os planos de conquista do Dr. Gori.
A receita para a vitória de Spectreman perdurou por anos nas séries japonesas: ficar enorme e sentar o cacete nos monstrengos. Entretanto, o Dr. Gori exercia seu fascínio. Ele era um vilão que queria salvar o planeta e não a humanidade. Para isso, ele jogava o próprio lixo que produzíamos contra nós mesmos.
O Dr. Gori era tão importante na trama que, no original japonês, a primeira temporada tinha o título de “Uchuu Enjin Gori” (Símio espacial Gori) e, na segunda temporada a séria passou a ser chamada de “Uchuu Enjin Gori Tai Supekutoraman” (Símio Espacial Gori vs Spectroman). Vamos combinar que são pouquíssimas as séries que levam o nome do “vilão” em seu título.
Anos depois, ao ler as obras do mitólogo Joseph Campbell, em especial, o Poder do Mito, me liguei na ambiguidade adotada pelos roteiristas da série. Apesar de ser claramente um conquistador, o Dr. Gori justificava a ideia de dominar a terra partindo de um argumento racional, afinal, os seres humanos estavam (e estão) tornando a terra um lugar inabitável para todos os seres vivos. O que Dr. Gori planejava era extinguir a espécie humana para preservar as outras espécies. Obvio que a intenção final era a de transformar a terra em um paraíso particular livre de todo ser humano e poluição. Mas a pergunta é: algum bicho ou planta veria um dilema moral nisso? Duvido muito.
No mais. o Dr. Gori foi um pioneiro da reciclagem, afinal todos os monstros eram ecologicamente corretos, ou seja, criados a partir do lixo produzido pelo próprio ser humano
Já Spectreman, coitado, estava fadado a defender, mesmo que contra a vontade, as grandes indústrias e corporações poluidoras. Claro, não podemos negar que Spectreman, sempre que podia, nos lembrava disso. Em vários episódios me recordo dele nos alertar para o fato de que só teríamos alguma chance se fossemos mais cuidadosos com nosso próprio planeta.
No fim, a lição que Spectreman me ensinou foi a de que, em algum momento, alguém apareceria na última hora para salvar o nosso couro.
Já para o mitólogo Joseph Campbell, que analisa vilões de filmes e séries (como Darth Vader), o Dr. Gori seria um arquétipo. A exemplo do arquétipo junguiano, a abordagem de Campbell nos mostra que vilões como o Dr. Gori desnudam tudo aquilo que, em tese, deveríamos repudiar.
Ao ser indagado sobre figuras como a de Darth Vader, e de como ela só teria espaço nos contos de George Lucas e jamais na vida de uma pessoa comum, Campbell respondeu:
“Errado! Você pode apostar que acontece, sim – e se a pessoa não for capaz de reconhecê-lo, isso poderá transformá-la num Darth Vader. Se o indivíduo insiste num determinado programa e não dá ouvidos ao próprio coração, corre o risco de um colapso esquizofrênico.”
Bem, Spectromam, apesar de bem intencionado, nunca subverteu o próprio sistema que ajudava a manter. Afinal em nenhum episódio ele combateu as indústrias que forneciam, involuntariamente, a matéria prima ao Dr. Gori.
Já o Dr. Gori fazia tudo, menos nos deixar esquecer que estávamos (e estamos) sendo destruídos por um programa, um estilo de vida criado por nós mesmos. Afinal, mesmo com a morte do Dr. Gori no último episódio da série, os monstros da poluição continuam a nos atacar, enquanto os dirigentes da Rio+20 continuam achando que tudo será resolvido com a vinda de Spectreman.
Pra quem não sabe:
Spectreman (no Japão: スペクトルマン ou Supekutoruman; no Brasil: Spectreman) é uma série de TV de ficção-científica do gênero tokusatsu. Foi exibido originalmente pela TV Fuji entre 2 de janeiro de 1971 e 25 de março de 1972.[1] Criado por Souji Ushio (pseudônimo de Tomio Sagisu), presidente da extinta produtora japonesa P-Productions, Spectreman teve 63 episódios. No Brasil, a série foi exibida no final da década de 70 pela Rede Record e durante os anos 80 na TVS (atual SBT).
O seriado contava a luta do androide Spectreman contra o genial cientista Gori e seu divertido auxiliar, Karas — ambos simioides (homens-macaco). Além da tradicional guerra do bem contra o mal, as aventuras de Spectreman faziam com que o telespectador refletisse sobre os problemas causados pela poluição. O tema esteve presente em praticamente todos os episódios — os monstros criados pelo Dr. Gori usavam o lixo como matéria-prima. Fonte: Wikipedia.
2 comentários:
Seu Madruga dublando Dr. Gori?
Brincadeiras a parte, bom texto. (:
Brilhante!
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